Rasto de Sangue #1
Beth vivia numa pequena cidade, rodeada de montanhas, a que as pessoas deram o nome de Riverwood. Era um lugar pacato, onde toda a gente se conhecia, ou a grande maioria pelo menos. A policia local tinha pouco trabalho, a não ser quando existiam desacatos entre vizinhos, ou algum grupo de adolescentes resolvia que queria ser rebelde.
Filha de um proprietário de um restaurante da cidade, Beth, com apenas vinte e quatro anos, passava os dias a trabalhar com o pai, servindo á mesa, conferindo cargas deixadas pelos fornecedores e fazendo trabalho de escritório, na gestão do restaurante. O pai dizia que ela tinha jeito para aquilo, nada lhe passava ao lado, a resposta estava sempre pronta e, qualquer erro por ela detetado, teria de ser emendado e o culpado descoberto.
Na boca de muitos, era um desperdicio estar ali fechada. Beth deveria sair, conviver com os rapazes da cidade e os homens também. Claro que estas opiniões vinham de bocas mais velhas, que já tinham visto muito, mas cuja mente ainda se regia pelo antigo.
Beth não se importava. Vivia a vida da forma que achava melhor e, se algum dia lhe fosse possivel sair de Riverwood, sairía. Até porque, todos os meses, as velhotas da aldeia lhe arranjavam pretendente novo, as malditas. Como se ela não tivesse já preocupações suficientes.
- Não tenho tempo para casórios. - Respondia Beth, seguindo o seu caminho.
A rapariga era bonita, com olhos felinos e verdes, cabelo dourado e lábios cor-de-rosa, carnudos. Muitos já tinham tentado a sorte, mas assim que se aproximavam, Beth afastava-os de imediato.
Nesse dia, bem cedo, Beth é acordada pelo som do telemóvel. Esticando apenas uma mão, procurou o aparelho na mesa de cabeceira, e fez deslizar o dedo pelo ecrã, antes de o levar ao ouvido.
- Sim? - Disse com voz ensonada.
- Beth, sou eu, o John. - Respondeu uma voz grave, do outro lado. - Estás doente?
- Não, porquê?
- Estou á porta do restaurante, com a carga... E isto está fechado.
- Merda! - Beth saltou da cama, gritou algo em jeito de despedida e desligou o telemóvel, voando para o armário.
Retirou a primeira coisa que apanhou, uns calções negros, justos, e uma t-shirt turquesa, que evidenciava o peito. Correu para a casa-de-banho, lavando os dentes á pressa e apanhando o cabelo em seguida, num simples rabo-de-cavalo. Calçou os ténis enquanto descia as escadas, com a chave do carro na boca.
- Onde é o fogo?
Beth olhou para o lado, vendo o seu irmão, Ryan, de pé junto da ombreira da porta da cozinha, segurando uma colher e um iogurte.
Ryan era mais velho do que Beth, um ano apenas, mas vivia com a irmã, depois de acabado o relacionamento com a namorada e de esta o pôr fora de casa.
- Tenho o John á porta! - Gritou Beth, agarrando na mala e destrancando a porta.
Ryan encolheu os ombros, e rumou á cozinha, vendo a irmã correr para o carro.
Beth acelerou em direção ao restaurante, passando pelos homens do lixo sem dizer nada, pela primeira vez. Estacionou no parque que ficava atrás do edificio, vendo John, com as portas de trás da enorme carrinha abertas e sentado mesmo no meio, com as longas pernas a balançar, suspensas no ar.
Ele sorriu quando Beth saiu do carro e se apressou a abrir a porta do armazém.
- Não precisavas apressar-te. - John saltou da carrinha. - A minha próxima entrega é só daqui a uma hora.
Beth olhou-o, dirigindo-se para junto da carrinha.
- Não te preocupes. - Respondeu. - E tu sabes que não gosto de fazer esperar os que realmente trabalham.
John saltou para dentro da carrinha e começou a puxar caixas para junto da abertura.
Beth, como sempre, permitiu-se observar John durante dois segundos. Ele era alto, de pele morena e cabelo negro, curto, mas com farripas que lhe caíam nos olhos. Tinha um fisico excelente, com massas musculares á volta dos braços e do peito. E John era dono de um belo sorriso.
Depois de um segundo de deleite, Beth pegou na primeira caixa, tomando-lhe o peso. Era um peso suportável, e ela levou-a para dentro do armazém, colocando-o no seu lugar. Quando se voltou na direção da porta, John entrava com uma caixa nos braços.
- Eu carrego as caixas, Beth. - Disse ele colocando-a junto da outra. - São pesadas.
Beth resfolegou.
- As que conseguir trazer, trago. - Respondeu, saindo do armazém.
John sorriu, caminhando atrás dela. Os seus olhos a poisarem sobre o movimento provocado pelas suas ancas. Ele não compreendia porque razão Beth rejeitava todo, e qualquer, avanço por parte dos rapazes. Ela era linda e inteligente, trabalhadora e responsável... John não se importaria de a ter nos seus braços. Para toda a vida, até. Mas sabia que Beth não permitiria que ele se aproximasse dessa forma, e por essa razão, continuava a alimentar a amizade que tinha construído com ela.
Depois de algum tempo, todo o carregamento que John trouxera, destinado ao restaurante, encontrava-se dentro do armazém. Beth colocou as mãos na cintura, enquanto esperava que John regressasse com as faturas.
- Assina aqui. - Disse ele, entregando-lhe os papéis e uma caneta.
John viu Beth inclinar-se sobre uma mesa, assinando a folha, o que permitiu-lhe ter um plano completamente diferente do seu rabo. Assim que ela se endireitou, John fingiu guardar o telemóvel no bolso, sorrindo ao pegar na folha novamente.
- Obrigada. - Disse ele. - É um prazer fazer negócio contigo.
Beth sorriu.
- Não sejas parvo. Só não te faço esperar enquanto confiro as caixas porque estás a ficar atrasado, se não havias de ver o prazer que era.
John sentiu algo mexer-se no seu estômago.
Beth bateu-lhe no ombro, emanando aquele cheiro a perfume seu caracteristico. Um cheiro suave e viciante, que ela garantia ser do hidratante que usava na pele.
- Vai-te embora, John. - Sorriu-lhe. - Voltas depois, com mais tempo. E ainda te pago uma cerveja.
John soltou uma gargalhada.
- Não me vou esquecer. - E saiu do armazém, deixando-a sozinha.
Beth ficou a olhar a porta, que se fechou sozinha, a sentir o cheio a tabaco e aftershave que John deixara para trás. O pai dissera-lhe que John daria um bom marido e um ótimo pai de filhos, mas ela nem queria pensar no facto de ficar presa a alguém. Para Beth, era perfeitamente normal estar sozinha, era confortável. E não pensava mudar a sua condição nos próximos dez anos.
- E a sua bela cabecinha fervilha de pensamentos, aos quais ela dedica apenas um lapso de tempo, fielmente, todos os dias da sua longa vida.
Beth sorriu ao olhar na direção da porta, vendo Claude entrar. Ele era um jovem bastante atraente, de cabelo negro e olhos azuis, dentes brancos como neve e pele bronzeada pelo sol. Claude era o rapaz perfeito, daqueles que só se encontram em capas de revista. Era gay e isso só o tornava ainda mais especial para Beth, que o considerava o melhor amigo.
- De onde tiraste isso? - Perguntou ela.
- É uma frase "á lá Claude", e ficamos por aqui. - Ele colocou a mochila em cima de uma caixa e aproximou-se de Beth. - Vi o John. Veio cedo, hoje.
Beth suspirou.
- Tinha outra entrega. Veio descarregar e foi-se embora.
Claude sorriu de forma matreira e atraente.
- E veio descarregar o quê? - Perguntou.
Beth soltou uma gargalhada e abriu uma das caixas, abanando a cabeça.
- Caixas, Claude. Muitas caixas. - Ela olhou-o pelo canto do olho. - E preciso de ti. Preciso desses teus braços deliciosos a ajudarem-me a arrumar tudo no lugar.
Claude aproximou-se de Beth, pegando numa caixa que esta lhe entregou.
- Tu tens sorte, mulher! - Disse Claude, virando-se para uma das prateleiras. - Tens alguém como o John interessado em ti. Eu não me importava de lhe mostrar como eu posso ser interessante, mas não vale a pena. - Claude olhou-a. - A sério Beth, ele gosta de ti. Devias dar-lhe uma oportunidade.
Claude tinha sotaque do sul, do Louisiana, e a forma como ele pareceu cantar as palavras chamou a atenção de Beth. Ela suspirou e mexeu no rabo-de-cavalo.
- Não tenho tempo para isso. - Respondeu. - Prefiro um tiro nos miolos do que um coração partido, ou verem-me a sofrer por causa de um homem. Muito meno o John. Ele merece melhor.
Claude sorriu-lhe, um sorriso carinhoso.
- Querida, não há melhor.